Um assunto polêmico, muito sexo, nudez, dois atores em ascensão e um diretor inglês que já vem sendo cultuado e elogiado pelos críticos do mundo, isso com apenas 2 filmes no currículo, são garantias de um grande filme, porém ao final de Shame você fica com uma sensação de não saber o que realmente assistiu na tela.
O diretor Steve McQueen retoma a parceria de sucesso com Michael Fassbender e faz um filme que usa e abusa do talento do ator, pois Shame é, em sua maior parte, Michael Fassbender na tela, pois o diretor o segue constantemente com sua câmera, com closes, com câmera parada e fixa no ator, e por final tira do ator uma excelente atuação com muita dor, sinceridade e sofrimento.
Michael Fassbender, viciado em sexo, não consegue sentir nada, nem remorso, nem emoção e nem faz sexo quando exige dele algo mais do que o simples ato sexual, por isso o ator tem uma atuação silenciosa, dolorida e vazia. Ele faz de Brandon Sullivan uma pessoa ausente, distante e que não se importa com o que pensam dele, uma pessoa que sofre em silêncio por levar aquela vida dupla, de um profissional que precisa esconder seu vício em sexo. Logo no início do filme isso fica claro para o espectador.
Mas sua vida vazia tem algo que mexe com ele, e é sua irmã Sissy Sullivan, vivida de excelente forma por Carey Mulligan, a atriz, em seu papel mais forte do cinema, completa totalmente a presença de Michael Fassbender, pois sua Sissy é o oposto do irmão, precisa de uma forma quase doentia de contato, de carinho, de sentimento, ela cobra do irmão isso, essa união. Os dois atores atuam com tanta força que fazem da relação entre os dos personagens o ponto mais alto do filme, deixando até o assunto principal em segundo plano.
Em Shame, Carey Mulligan está completamente diferente de outros filmes, se você compará-la com suas atuações em A Educação, Drive e Não Me Abandone Jamais vai ver uma atriz muito mais forte, decidida, que a cada papel tira dele algo novo e impressionante, na cena em que ela canta New York, New York, é a atriz que realmente canta, em uma cena belíssima e extremamente real. Mas a atriz dá um show ao lado de Michael Fassbender na cena em que conversam no sofá da casa dele, uma cena impressionante de realismo e pureza. Enquanto Michael Fassbender continua no seu mundo, afastando qualquer sentimento, principalmente da irmã (talvez por causa do seu vício), Carey Mulligan transborda emoção, sentimento, amor e desespero.
Se Shame foi polêmico desde seu lançamento, o filme é muito mais vazio do que prometia, pois Steve McQueen e a roteirista Abi Morgan, infelizmente, não se aprofundam nas causas e nem no íntimo dos irmãos para mostrar o que fez deles tão diferentes, o que fez surgir neles esta relação tão complicada. E além disso o filme exagera nas cenas de sexo, que nem são assim fortes como anunciavam, mas se tornam repetidas em mostrar algo tão claro e evidente, de que o personagem de Fassbender é viciado em sexo, talvez se ao invés destas cenas o filme desse ainda mais ênfase ao relacionamento dos dois irmãos, Shame seria um filme muito mais forte e marcante, mesmo que não explicasse o porque e nem para onde aquela relação iria.
Até,
André C.
Shame (Shame – 2011)
Sinopse: Brandon mora em Nova York e tem 30 anos. Seu maior problema é não conseguir controlar sua vida sexual. Quando a irmã chega para passar um tempo indeterminado na casa dele, Brandon será obrigado a mudar sua rotina
Direção: Steve McQueen
Roteiro: Steve McQueen e Abi Morgan
Elenco: Michael Fassbender (Brandon Sullivan), Carey Mulligan (Sissy Sullivan), Nicole Beharie (Marianne) e Alex Manette (Steven).
Você realmente acha que é necessário conhecer a história de vida dos personagens, dos dois irmãos, para entender do que se trata o problema deles?
Não acredito que é necessário expor no filme os detalhes que os tornaram quem são. O passado não pode ser mudado e fica claro, pelos poucos diálogos que apontam para a infância dos irmãos, que foi um período conturbado e cheio de traumas. Se a moça foi abusada ou não, se tiveram pai ou mãe (ou ambos) terríveis, isso pouco importa. O que interessa ao filme é como eles são hoje e como cada um lida com a vida que tiveram e com os resultados e traumas dessa vida. As posições de Brandon e Sissy parecem diametralmente opostas, mas na realidade não são. Ambos estão desesperadamente tentando combater o vazio que os assola, embora façam isso de forma aparentemente distinta. A irmã não parece viciada em sexo — ou melhor, em obscenidades –, no entanto, vai para a cama com um total desconhecido (o chefe do irmão) um dia depois de ter implorado pelo amor do ex-namorado que a expulsara de casa. E se observarmos bem, ela não se espanta em nada com o vício do irmão. Aparece nua na sua frente, sem qualquer sinal de “vergonha”, se engalfinha com ele no sofá quando é Brandon que está nu, enfim… há sinais suficientes para quem quiser ver do que pode ter acontecido com os dois, ou que tipo de infância e adolescência tiveram. Ser explícito empobreceria o filme, sem necessidade.
Poderia escrever muito mais sobre esse ponto, mas estou com preguiça. Só queria concluir que não acho que o filme precisava “aprofundar nas causas e nem no íntimo dos irmãos para mostrar o que fez deles tão diferentes”, porque, em primeiro lugar, ELES NÃO SÃO TÃO DIFERENTES ASSIM. Mas você parece pensar que sim, certo? E diferentes de quem, posso perguntar? De nós que nos julgamos “normais” porque não somos viciados em sexo, não nos masturbamos no banheiro da empresa e não carregamos obscenidades no laptop?
Brandon e Sissy são como uma infinidade de pessoas vivendo hoje no mundo: vazias por dentro, vazias de sentido, procurando “enlouquecidamente” preencher seus dias com algo que não os deixe perceber esse vazio imenso que os assola. Cada uma a seu modo, seja com vícios em drogas, em sexo, em trabalho, em entretenimento ou em religião (por que não?), fazem a mesma coisa que os dois personagens. A diferença talvez dos dois irmãos é que apresentam escancaradamente o que a maioria faz de tudo para esconder (e consegue com certo sucesso), um dos principais sintomas de nosso tempo: o vazio de sentido para a vida. Achá-los “diferentes” é por si só não compreender o mundo em que se está inserido, desculpe dizer.
Você começou até bem a sua análise, mas terminou equivocado. O filme tem ritmo lento, é verdade. Talvez para quem está acostumado com os blockbusters hollywoodianos que quase nos “atacam” com tanta ação e efeitos especiais, deve ser um tortura atravessar um filme como esse. Mas acredito que justamente aí está um dos méritos de SHAME: o de nos constranger a entrar dentro desse universo vazio, moroso e sofrido dos personagens. Caso contrário, estaríamos observando tudo de um ponto tão distante que seria impossível compreender e perceber as emoções, ou A FALTA DELAS, na qual estão mergulhados os atormentados irmãos.
A polêmica em torno do filme, por causa das cenas de sexo, é típica de países como os EU. Para nós brasileiros, não há nada de chocante no filme, assim como não há nada de erótico (ao menos em minha opinião; pode ser que alguém ache todo aquele sexo mecânico erótico também, vai saber). Seria estranho se houvesse erotismo no filme, pois arruinaria a estória. A intenção é mostrar justamente o sexo mecânico e sem envolvimento emocional como forma de lidar com o vazio interior (a única forma que Brandon encontrou foi assumir o vazio completamente). Como disse um colunista da Folha de São Paulo esta semana: “Sexo é barato, já o amor é sempre muito caro”. Brandon não conseguiria aproximar-se do amor nem que pudesse pagar muito caro por ele e essa é a sua tragédia. Não há redenção para ele e a primeira cena do filme já deixa isso claro: ele parece MORTO enquanto está envolvido por aqueles lençois azuis imaculados, após mais uma noite de sexo vazia, e os segundos que se passam até que ele pisque os olhos acentuam claramente essa impressão de um corpo morto envolto por uma mortalha. Brandon começa o filme “morto” por dentro e termina da mesma forma.
Em minha opinião, o filme é bom justamente porque nos causa tanto mal estar, porque nos faz perceber a prisão na qual estão encerrados seus dois personagens principais, na hipocrisia com a qual a maioria das pessoas vive suas vidas — é só pensar no chefe de Brandon dando uma “lição de moral” nele, falando da pornografia encontrada em seu computador, enquanto dá em cima e transa com qualquer mulher que dê bola para ele, ao mesmo tempo que deixa sua linda família em casa esperando sua chegada do trabalho… desde que a esposa possa usufruir de seu sucesso profissional e financeiro, ela não o “amola”.
SHAME lida bem com a mesma hipocrisia que faz dos Estados Unidos um dos países que mais consome pornografia no mundo, enquanto se mostra povoado de pessoas que se incomodam com algumas ceninhas de sexo mais cruas em um filme que não é nem um “pornô”. É nesse universo que vive Brandon, que vivem os americanos que censuram o filme, que vivemos todos nós, na verdade: um universo vazio e hipócrita. Nesse sentido, o filme cumpre com eficácia seu papel, que é jogar em nossa cara em que ponto nos encontramos hoje. E quão difícil é qualquer forma de “redenção” para a maioria de nós… infelizmente.
Carol,
obrigado pela visita e por esta espetacular análise, apenas discordo de que eu falei que deveriam mostrar as causas da relação dos dois e o que levou eles a serem diferentes na forma de preencher o vazio que você citou. Logo no fim do meu post falo que o filme seria ainda mais forte se tivesse menos cenas de sexo repetitivas, mas focasse mais na relação dos irmãos, mesmo Se Shame foi polêmico desde seu lançamento, o filme é muito mais vazio do que prometia, pois Steve McQueen e a roteirista Abi Morgan, infelizmente, não se aprofundam nas causas e nem no íntimo dos irmãos para mostrar o que fez deles tão diferentes, o que fez surgir neles esta relação tão complicada. E além disso o filme exagera nas cenas de sexo, que nem são assim fortes como anunciavam, mas se tornam repetidas em mostrar algo tão claro e evidente, de que o personagem de Fassbender é viciado em sexo, talvez se ao invés destas cenas o filme desse ainda mais ênfase ao relacionamento dos dois irmãos, Shame seria um filme muito mais forte e marcante, mesmo que não explicasse o porque e nem para onde aquela relação iria.
Pelo seu comentário, para mim ficou claro que você também achou mais interessante no filme os personagens, a relação deles, o vazio deles e como cada um trata este problema pessoal. Ou seja, a sua visão foi mais afundo no que eu também achei o melhor do filme, mas alguns fatos (como a relação com o chefe) não citei mais diretamente pelo fato de não provocar spoliers, mas concordo com o que você disse, a hipocrisia da sociedade quando o assunto é sexo, relacionamentos e vícios existe em todo lugar, mesmo porque não enxergamos os nosso problemas muitas vezes.
Obrigado pelo excelente comentário,
André
Carol,
Você captou a essência do filme, e foi exatamente assim que o interpretei. Quando Sissy diz ao telefone: “Nós não somos pessoas más. O lugar de onde viemos que era mau”. Só isso basta para conhecermos o passado de ambos.
E o presente deles, angustiante e solitário, também faz parte da história de vida, não apenas o passado.
Nota: 5