Faz um pouco mais de uma semana que assisti Anticristo do polêmico Lars Von Trier, e entendi porque todo o alvoroço em volta do filme. Anticristo é perturbador, forte, polêmico, chocante, mas que mesmo assim possui belos e intensos momentos.
A abertura do filme, o prólogo, é uma das mais belas aberturas de um filme, calmo e intenso, com a bela música Lascia ch´io pianga, de Handel (segundo o Denis do Cinemaníaco). Mas mesmo numa bela abertura, muito bem montada, Lars Von Trier já deixa claro o que virá pela frente, tanto no psicológico quanto no lado sexual dos personagens. Talvez através do prólogo Lars quisesse tirar da sala pessoas que não poderão compreender seu cinema ou se ofender com cenas que virão pela frente.
Depois de uma grande entrada o filme afunda profundamente nos obscuros da mente humana e da depressão, aqui, causada pela morte prematura do filho do casal. Passando pelos estágios do Luto, da Dor e do Desespero, terminando com os três mendigos e o epílogo arrebatador.
Lars passeia por estes estágios de forma profunda e sombria, provocando em quem assiste ao filme diversas emoções: como agonia, tristeza, dor e revolta. Em alguns casos pode provocar os mais diferentes sentimentos, como o meu, uma vez que pode ter sido o causador da crise de hipertensão que começou no dia em que vi o filme, e que terminou com uma pressão batendo nas casas do 18/13.
Deixando minha saúde de lado e voltando ao filme, podemos, obviamente, criticar o polêmico diretor pelo grau de realismo dado em muitas cenas, principalmente aquelas relacionadas com a dor e o sexo, mas só assim Lars, sem medir nenhum esforço, consegue causar desconforto no espectador no mesmo grau que seus personagens estão sentindo, trabalhando assim de forma mais realista e intimidante os estágios por onde seus “escravos” passam durante o filme.
Claro que algumas cenas podem ser grotescas e fortes demais(a masturbação do personagem de Willem Dafoe e a autopunição da personagem de Charlotte Gainsbourg), mas nenhuma delas me parece gratuita ou largada no filme, todas possuem o propósito, como disse no parágrafo acima, de trazer o luto, o sofrimento, a dor, o desespero do personagem para fora da tela. Foi com isso que Lars Von Trier conseguiu exteriorizar a sua própria depressão, que vivia escrever o filme
Mas falar de Anticristo e não falar da atuação de Charlotte Gainsbourg seria no mínimo injusto, pois é uma atuação corajosa e soberba em todos os aspectos. Charlotte Gainsbourg é profunda e sincera em cada momento, sugada até a última gota de sangue pelo diretor, Charlotte Gainsbourg nos presenteia com uma das atuações mais fortes de 2009. Para mim já é a primeira injustiça do Oscar 2010.
Outra coisa que não posso deixar de lado é a fotografia de Anthony Dod Mantle, sombria, escura e fria, faz da Natureza um dos elementos mais importantes do filme, uma vez que o filme trata o fato do Anticristo estar nos sentimentos, nas dores e na própria natureza, e na forma de como ela atua na relação com os humanos.
Bem, Anticristo é um grande filme, mas que eu não recomendaria a ninguém que não conheça Lars Von Trier ou que tenha problemas com cenas intensas, mas recomendo aqueles que gostam de um cinema psicologicamente perturbador e muito bem feito.
Até,
André C.
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Título Original: Antichrist
Gênero: Drama/Terror
País: Dinamarca
Ano de Produção: 2009
Tempo de Duração: 100 minutos
Lançamento na França: 18/05/2009 (Cannes Film Festival)
Lançamento no Brasil: 28/08/2009
Direção: Lars Von Trier
Roteiro: Lars Von Trier
Elenco: Charlotte Gainsbourg (Ela), Willem Dafoe (Ele)
Ótima crítica. Achei o filme sensacional e muito intenso. Assim como Melancolia, LVT aproveita muito bem todo o talento da jovem atriz.
Obrigado Érico pela visita.
Um detalhe muito sutil: a princípio a queda do filho pela janela ocorreu sem que o casal em cópula intensa tenha percebido, mas no final ao retomar a cena primordial (significante despótico) é sugerido fortemente que a mãe percebeu sim o risco e olhou diretamente a cena do filho ou se dirigindo para, ou já caindo pela janela, mas apesar disso não conseguiu uma resultante de “forças” para renunciar ao gozo. A psicanálise procura conduzir o paciente a retomar a cena primeira que desencadeia todo o processo pulsional. Porém, tanto o fato do envolvimento entre os dois e a condução inábil do psicanalista, foi só agravando o estado de luto da mãe que passou de estados de depressão e de melancolia se deslocando até o limite de uma dissociação completa em surtos psicóticos animados inconscientemente à uma certa identificação mística com lendas que parecem vir da sua ancestralidade. Ao não elaborar o luto e a culpa imensa, toda essa energia defendida na sombra psíquica se libera violentamente sem que possamos acompanhar suas aproximações de um desfecho claro. Os flashes de memórias não vividas do marido, e os pequenos surtos da mãe, a principio não ficam muito claros para quem está assistindo o filme, mas confirmam uma certa participação mística que amarra todo o denvolvimento das cenas do casal. No final a cena remete a um desfecho que deixa espaço para se atribuir uma vontade sobre humana ao lugar, às árvores e todo o entorno. A cena decisiva mencionada lá em cima, que vemos em 3a pessoa no final, mostra que ao se aquiescer completamente às forças do instinto, para além de certos limites. Elas sempre reencontram as fissuras deixadas pelas paixões e pela culpa e através delas podem assumir completamente a determinação desse sujeito esfacelado, que retorna inconscientemente à cena e ao tempo a partir de onde pretensamente se procuraria uma chance de apagar o que já foi. O impulso da mãe ao sexo à qualquer hora seria uma tal tentativa inconsciente de retomar a cena original e mudar o passado. Sem a terapia adequada e com o envolvimento “natural” com o psicanalista era impossível não haver um desastroso deslocamento no qual as forças e a participação mística de ambos caminhassem em direções completamente incompatíveis.